Vicente de Paula Ataide Junior.
Juiz Federal em Curitiba/PR. Em 2004.
… Perdi a esperança. Senti-me absolutamente impotente, incapaz de fazer algo para mudar. Como seria possível evitar esses horrendos espetáculos?
Compreendi que atos como esses não se esgotam. Eles continuam, irradiam um mal que contamina toda a humanidade, que eclode em novos atos de violência. Esse mal gera uma freqüência mental negativa, que se expande e gravita em torno da Terra, alimentando a reprodução do mal, em todas as esferas de convivência social.
Não há sentença que eu possa proferir que mude esse mundo. São fatos que não se mudam por atos de poder ou de imposição. O que me adiantou estudar tanto? Que posso fazer como juiz, para combater esse mal? Que posso fazer como homem?
Mas num lance furtivo do olhar, depositei meus olhos sobre as fotos da minha família, expostas numa estante da minha sala de trabalho. Minha mulher e meus filhos estavam lá, sorrindo, contemplando-me.
Parado, olhando para aqueles sorrisos, veio-me o discernimento para a questão que eu mesmo tinha posto: a única coisa que posso realmente fazer é impedir que aquela onda invisível se propague, não me permitir ser um veículo de propagação daquele mal.
Entendi que cada ato humano é importante, cada palavra tem seu significado, nada é de menos, tudo é integrado. Percebi que cada incompreensão, cada intolerância, cada injustiça, cada agressão é uma gota a mais nesse mar de violência e desespero. Convenci-me que em todos os lugares, com qualquer pessoa, cada vez que infligi um desprezo, uma indiferença, um grito, uma dor, também eu ajudei na degola de um refém, também eu empunhei a faca que lentamente decepava a vida e a esperança.
Respirei fundo, sacudi a cabeça, peguei o telefone e liguei para uma floricultura. Encomendei rosas vermelhas para minha esposa. Mandei o presente sem propósito, nem data especial. Em seguida, fui encontrar meu filho préadolescente na escola. Aproveitei o tempo para uma boa conversa. Quando cheguei em casa, recebi minha filha pequena nos braços, brinquei com ela até dar-lhe sono. Agradeci-lhes minha redenção.
Pode parecer pouco ou nada. Mas senti, sinceramente, com a pequena felicidade que proporcionei, que alguma coisa pode ser feita. Renovei minhas forças sentindo que enquanto houver pessoas dispostas a fazer o bem e a amar sem esperar retribuição, ainda haverá esperança: o amor é o único escudo que pode nos proteger dessa invasão de iniqüidade e perversão.